A proposito deste importante evento para a cidade de Almada e para Portugal, não resisti em publicar este texto que saiu hoje no jornal i.
Em 50 anos de história, muitas histórias já passaram pelo Cristo Rei. Até aquelas que não são verdade. De repente, há o dia em que alguém se lembra de dizer que beijou os pés do Cristo Rei (a estátua do Cristo Rei não tem pés), que o escalou num elevador panorâmico ou que já escreveu postais, sentado nos seus braços. "No outro dia até me perguntaram? Mas agora não se pode ir aos olhinhos? A senhora teimava a pés juntos que antes o Cristo tinha lá umas varandinhas nos olhos", conta Fernanda, 45 anos, andar trapalhão de braços a dar a dar, baixinha e roliça.
Há 20 anos a trabalhar no Santuário do Cristo Rei, Fernanda conhece todas as histórias de elevador. Há mais das divertidas e muitas repetem-se. Há as tristes, das duas pessoas que olharam Lisboa pela última vez a partir do local, como "uma menina de 19 anos, no segundo ano de Medicina", E há aquelas que nem pode contar: "Até o Cristo corava. São bacoradas muito feias."
Quatro euros, uma viagem de elevador, mais 59 degraus de escada estreita, curva e com corrente de ar, mais um lance de escadas e surge Cristo. Enorme e imponente, coração com quase dois metros, de braços abertos para Lisboa, 113 metros acima do nível do Tejo, ao lado das nuvens.
"Magnífico, magnífico! É a coisa mais bonita que já vi", exclama uma americana de bengala, olhos arregalados e mãos à volta da boca.
A amiga, de cabelos cinza pelos ombros, interrompe e aponta para a estátua: "Vê, parece mesmo que se mexe e vai cair para cima de nós quando as nuvens passam." E por momentos esquecem os jornalistas, os amigos e os maridos: "O Cristo tem uma lâmpada vermelha em cada mão", diz a de bengala. "Deve ser para os aviões não lhe baterem", responde a outra.
O grupo de amigos de São Francisco já esteve em Portugal mas, pela primeira vez, resolveu visitar o santuário antes de seguir para as praias da costa alentejana. São americanos e todos concordam: "Muito melhor do que a Estátua da Liberdade. Não tem comparação possível.
"Kay Chan, de Singapura, está maravilhada. O namorado, André Yong, já experimentou mil posições incómodas - de cócoras, de barriga para baixo, ajoelhado de pescoço completamente esticado para trás - e mesmo com uma câmara com tripé ainda não conseguiu enquadrar o Cristo Rei na fotografia. Mas Kay não o deixa desistir. "Não percebo. Estivemos horas numa fila para a Torre Eiffel e aqui está vazio, quando é muito mais bonito", diz Kay.
Filipe, colete impermeável, óculos Ray-ban, usou o "melhor miradouro sobre Lisboa" para mostrar a cidade à namorada brasileira. "Já vim cá várias vezes." E baixa o tom de voz para dizer quase em surdina: "Não lhe diga nada, mas não há melhor sítio para engatar as miúdas.
"Apesar da imagem esmagadora de Cristo, imenso sobre a ponte e sobre o Tejo, o monumento não é o que todos esperam. "Não dá para trepar a estátua e ver tudo lá de cima", como uma adolescente que se entretém a ver o elevador subir e descer reclama no final da visita de estudo. Ou para "subir à cabeça", como queria um rapaz de calções, pernas inchadas e óculos vermelhos de plástico. Ou "tocar nos braços", ou "ver o Cristo Rei por dentro", como muitos dos que passam na loja de recordações contestam. A grande desilusão é essa: mesmo lá em cima, apenas se pode olhá-lo de baixo.
"Às vezes sobem aquelas escadas antes de entrarem na loja e dizem ?já estamos nos braços?. Quando chegam lá acima e percebem que não vão conseguir sequer tocar nos braços ficam desiludidos", diz Elisa, funcionária da loja de souvenirs onde, num expositor de produtos tradicionais portugueses, se vendem frascos de pimenta rosa e verde ao lado de azeite, vinho do porto, latas de atum e galos de Barcelos.
Elisa, óculos redondos de aros dourado e testa alongada, trabalha no santuário há 49 anos. Começou um ano depois de o monumento ter sido inaugurado, a 17 de Maio de 1959, perante a imagem de Nossa Senhora de Fátima, a radiomensagem do Papa João XXIII, o olhar de 300 mil pessoas e voos turísticos da TAP de 45 minutos a 100 escudos por pessoa.
À porta, a capela de Cristo Rei tornou--se um lugar de andaimes e pedreiros. Maria José ajoelha-se, coloca as mãos atrás das orelhas e reza. Está compenetradíssima, como se os berbequins não trabalhassem e o vento, incontrolável, não soprasse um som sinistro. Nasceu na avenida abaixo e quase todos os dias vem ao santuário. "É um espaço de reencontro, aqui tenho paz e é à borla." À caixa com "as palavras de Deus" chegam pedidos estranhos: "Que livres o meu homem das pecadoras e das más companhias."
Sílvia Caneco, Publicado em 15 de Maio de 2009 em http://www.ionline.pt/
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